Estado de Minas

Armadilha - Rejeitados pela sinalização

Para picapes, velocidade de caminhão; mas a Kombi pode correr mais. Aberração existe onde há exclusão de modelos pela classificação e pode acontecer onde não há placas


postado em 27/10/2009 16:56

Se saber de cor, em detalhes, as mudanças trazidas pelo Código de Trânsito Brasileiro (CTB) já é tarefa complicada, quanto mais ter que raciocinar, em minutos ou segundos, se seu veículo é uma camionete ou uma camioneta. Os nomes são parecidos, mas a diferença de significado pode render multas pesadas a donos de camionetes. Incoerência que vem sendo sentida por quem circula pela Rodovia Presidente Dutra, que liga São Paulo ao Rio de Janeiro.

O estudante de engenharia civil e trabalho Ronie Valim sabe bem o que é a divergência. Ex-proprietário de uma picape Nissan Frontier, ele foi multado mais de uma vez na Via Dutra por excesso de velocidade. E agora, que trocou o veículo por um jipe Troller, continua correndo risco de infringir a lei, por não desenvolver velocidade compatível com o estabelecido pelas placas que sinalizam a via. Ronie e diversos motoristas que, sem saber a diferença de classificação entre veículos ou por não prestar atenção na discriminação feita pelas placas, acabam sendo autuados na plena certeza de que estavam certos.

Explicação

O impasse está nas placas. A Rodovia Presidente Dutra é administrada pela concessionária Nova Dutra e tem radares em 28 pontos, sendo que em 16 os limites de velocidade são divididos entre: velocidade maior (100km/h na maior parte; 110km/h em alguns pontos) para automóveis, camionetas e motocicletas; velocidade menor (80km/h, na maioria; 90km/h em algumas situações) para os demais veículos. Nos outros 12 pontos, a velocidade é a mesma para todos os veículos (90km/h, 80km/h e 40km/h).

Assim, onde há discriminação pela categoria do veículo, se o modelo não for automóvel, motocicleta ou camioneta, terá que seguir a velocidade permitida para os “demais veículos”. Caso da Nissan Frontier de Ronie Valim e de todas as picapes médias ou até das derivadas de automóveis de passeio como Fiat Strada ou VW Saveiro, por exemplo, pois as picapes são classificadas como camionetes (veja quadro). E também do jipe Troller, que, de acordo com o CTB, é um utilitário, também enquadrado como “demais veículos”. Já a Kombi, que é uma camioneta, fica livre para desenvolver velocidades de 100km/h ou 110km/h.

Justificativa


A polêmica é tão grande que ninguém quer assumir a paternidade das placas. De acordo com a Nova Dutra, a concessionária só é responsável pela operação da rodovia, sendo a sinalização determinada pela Polícia Rodoviária Federal (PRF), que afirma serem as placas regulamentadas pelo CTB e mantidas pelo Dnit, que, por sua vez, garante não ter nenhuma responsabilidade, já que a rodovia está concedida por um período de 25 anos. E, segundo o Departamento Nacional de Trânsito (Denatran), a decisão sobre a sinalização é do órgão que tem jurisdição sobre a via (que pode ser concessionária, PRF ou Dnit). E quem definiu que camioneta, tecnicamente, pode correr mais que camionete ninguém diz.

Sem se identificar, funcionários da PRF de região próxima à Dutra dizem que há muitos recursos contra as multas, inclusive com ganho de causa para o motorista. Segundo eles, já teria sido pedido à sede do departamento, em Brasília, um estudo para adequação da sinalização das rodovias, o que, oficialmente a PRF não confirmou. Em nota divulgada sobre o caso, a PRF, fiel ao CTB, dá as definições de camioneta e camionete e cita o artigo 61 do CTB, origem do problema.

Confusão

O cerne da questão, que passa despercebido pela maioria dos motoristas, de fato está no artigo 61: “Onde não existir sinalização regulamentadora, a velocidade máxima será, nas rodovias, de 110km/h para automóveis e camionetas (em 2003, a Lei 10.830 incluiu as motocicletas); 90km/h, para ônibus e micro-ônibus; 80km/h para os demais veículos”.

Mas o artigo precisa ser analisado com cuidado. Primeiro: a regulamentação se refere aos locais onde não há sinalização, o que não é o caso da Dutra. E o mesmo artigo dá liberdade ao órgão com jurisdição sobre a via para sinalizar, conforme critérios que julgar necessários. Segundo: problema maior. Se a regulamentação se refere aos locais onde não há sinalização, imaginem se (de má-fé!) um órgão de trânsito resolve seguir tais critérios para multar onde não houver placas… A incoerência é tão grande que, conforme tal artigo, fica permitido aos ônibus e micro-ônibus andar a maior velocidade do que as “excluídas” camionetes.

Solução?

Além disso, as definições não são claras (veja quadro) e até o Denatran teve dificuldade para exemplificar camionetas, além da Kombi. Por fim, segundo o órgão, servem como exemplo também a Chevrolet Blazer, a Toyota Hilux SW4 (cuja base é a picape Hilux: camionete), a BMW X3 e o Jeep Cherokee. O departamento informou que já existe um estudo em câmara temática para definir uma sinalização mais clara, de modo que o motorista consiga visualizar as placas e saber em qual categoria seu veículo se enquadra. A solução é para médio prazo e promete atenuar o problema. Porém, não se fala em mudança nas classificações usadas pelo CTB e continuam no ar os critérios usados para permitir maior velocidade às camionetas, excluindo as camionetes e outros.

Quem sou eu?

O Anexo I do CTB estabeleceu conceitos e definições para diversos termos empregados no Código, entre eles os tipos de veículos. Veja alguns:

Automóvel – veículo destinado ao transporte de passageiros, com capacidade para até oito pessoas, mais o condutor (até nove pessoas);
Camionete – veículo destinado ao transporte de carga com peso bruto total de até 3,5 mil kg (passageiros e carga em compartimentos separados);
Camioneta – veículo misto destinado ao transporte de passageiros e carga no mesmo compartimento;
Motocicleta
– veículo de duas rodas, com ou sem side-car, dirigido por condutor em posição montada;
Utilitário – veículo misto caracterizado pela versatilidade do seu uso, inclusive fora de estrada.

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